NDVI: como monitorar a soja em cada fase?
Sumário
O NDVI é o índice de vegetação mais usado para monitorar a saúde das plantas, como a soja, em todas as suas fases de desenvolvimento
O NDVI (Índice de Vegetação por Diferença Normalizada, na tradução em inglês) é de grande importância para monitorar culturas agrícolas, sobretudo a soja.
Ele é obtido através do sensoriamento remoto com imagens de satélite, drones ou VANTs (veículos aéreos não tripulados). Sua escala varia de -1 a 1.
Uma das principais utilizações do NDVI é no acompanhamento da fenologia da soja em todas as suas fases, com indicativos precisos sobre cada uma delas.
Sua correta utilização favorece a tomadas de decisões mais rápidas, tornando a gestão da fazenda mais eficiente e possibilitando maiores rendimentos por hectare.
Veja neste artigo como interpretar corretamente o NDVI na lavoura de soja. Boa leitura!
O que é NDVI e para que serve?
O NDVI é um índice de vegetação que serve para acompanhar a saúde das plantas, conforme diversos estudos e experimentos científicos realizados ao longo dos anos.
Isso porque a saúde de uma planta é avaliada basicamente pela sua atividade fotossintética, que ocorre quando a planta faz a transformação da radiação eletromagnética (REM) oriunda do Sol em energia química.
Vamos falar da REM algumas vezes neste artigo, então guarde esta sigla.
A planta, em sua célula, possui pigmentos fotossintetizantes (clorofila, carotenos e xantofilas), que absorvem entre 70% a 90% da REM que incide sobre ela.
Por tanto, se uma planta não realiza bem a fotossíntese ela vai ter a sua saúde prejudicada, o que pode ocorrer por motivos diversos, como estresse hídrico, ausência de nutrientes no solo ou pragas e doenças da soja.
O NDVI, então, vai acompanhar se a planta está realizando bem a sua fotossíntese em todas as suas fases de desenvolvimento.
Isso torna o índice muito útil para o monitoramento de culturas agrícolas, sobretudo anuais (de ciclo curto), a exemplo da soja, milho, feijão e trigo.
Quem criou o NDVI?
O NDVI foi criado por quatro cientistas: James W. Rouse Jr, Richard H. Haas, John A. Schell e David W. Deering, todos do Centro de Sensoriamento Remoto da Texas A&M University, Estados Unidos.
Em 1973, eles escreveram um artigo científico com a criação do NDVI que se tornou uma das mais famosas publicações em sensoriamento remoto, muito usada como referência em citações acadêmicas, onde aparece como “Rouse et al. (1973)”.
Os pesquisadores, ao criarem o NDVI, fizeram a normalização de um outro índice, o SR (Simple Ratio), ou Razão Simples, normalizando-o para entre -1 e 1.
Em culturas agrícolas anuais, acompanhando seu crescimento desde o início, valores entre 0 e 0,30 são vegetação em estágio inicial de crescimento; entre 0,30 e 0,60 aumento da densidade de folhas; entre 0,60 e 0,90 reta final do desenvolvimento.
Raramente o NDVI chega a 1, mas pode acontecer. Quando os grãos estão próximos ao ponto de colheita, o NDVI começa a baixar. Valores abaixo de 0 indicam solo exposto, ausência de atividade fotossintética ou presença de corpos d’água.
Desde que foi criado, há 50 anos, os estudos com o NDVI só têm avançado, mostrando sua utilidade para diversos fins no monitoramento agrícola e da vegetação.
Mas, então, você deve se perguntar: como o NDVI monitora a fotossíntese de uma planta?
Isso é possível por meio do comportamento espectral da folha. Vamos entender melhor isso vendo como a REM se comporta na soja.
O NDVI na folha de soja: comportamento espectral
Quando a REM incide sobre a vegetação, acontecem três fenômenos:
- absorção: REM aproveitada durante a fotossíntese;
- reflexão: REM que volta (reflete);
- e transmissão: REM que atravessa a folha de forma errante.
A forma como a folha reflete a REM é chamada de resposta espectral. De forma objetiva, o NDVI capta a reflexão da REM.
Veja no gráfico abaixo o que cientistas descobriram sobre a resposta espectral de uma folha de soja.
Comportamento espectral de uma folha de soja em R5. (Fonte: EMBRAPA)
O gráfico mostra o comprimento de onda do espectro eletromagnético, ou simplesmente resposta espectral, medido em nanômetros (nm). Ele vai de 400 nm a 2.500 nm.
Entre 400 nm e 700 nm, está a região do visível, que mostra a absorção da REM pelos pigmentos fotossintetizantes. Por isso, ela está num nível baixo.
O visível é uma região semelhante à forma como enxergamos as coisas, por isso ela tem esse nome, sendo composta pelas bandas espectrais Blue, Green e Red, ou RGB.
A região seguinte é a do infravermelho próximo, ou NIR, de near-infrared em inglês (700 nm a 1.300 nm), que também é uma banda espectral. Aqui, a reflexão da REM predomina, devido à estrutura interna das folhas.
Já a região de ondas curtas, de 1.300 nm a 2.500 nm, é caracterizada pela influência do conteúdo de umidade interna das folhas, que absorve de forma considerável a REM.
No sensoriamento remoto da soja, é preciso verificar qual sensor utilizar. A maioria possui as bandas RGB e NIR, necessárias para a composição do NDVI e outros índices.
Abaixo você vê o comportamento espectral da soja no satélite Sentinel-2, com suas respectivas bandas espectrais.
Comportamento espectral da soja no sensor multiespectral do Sentinel-2. (Fonte: EMBRAPA)
Como é calculado o NDVI?
O NDVI é calculado usando as bandas NIR e Red, numa equação simples:
NDVI = (NIR – Red) / (NIR +Red)
Para esse cálculo é preciso usar uma plataforma de SIG (Sistema de Informação Geográfica), a exemplo do QGIS (de uso gratuito) ou ArqGIS (uso pago). É possível ainda usar softwares de linguagens de programação como R ou Python.
No GEE (Google Earth Engine) você consegue fazer esse cálculo na nuvem, sem precisar baixar softwares. O GEE usa as linguagens Python e Java.
No quadro abaixo, mostro como fazer o cálculo usando imagens do satélite Sentinel-2 (sensor multispectral imagery – MSI), da Agência Espacial Europeia (ESA), no QGIS, usando a calculadora raster.
Reprodução da calculadora raster do QGIS no cálculo do NDVI com imagem do MSI/Sentinel-2
No exemplo acima, as bandas utilizadas são a B04 (Red) e B08 (NIR). Abaixo, o NDVI da mesma imagem.
NDVI de áreas de produção de soja em imagem do Sentinel-2
Na plataforma Sentinel Hub você consegue baixar imagens gratuitas do Sentinel-2, separadas por bandas, e então renomeá-las, se preferir.
Além do índice NDVI, é interessante usar outros índices de vegetação, como o MSAVI2 (Índice de Vegetação Ajustado ao Solo Modificado), variação do NDVI que pode ser usado monitorar a soja na fase inicial, quando há muito solo exposto, já que o MSAVI2 reduz os efeitos do solo na resposta espectral.
MSAVI2 =(2 *NIR + 1 -1*√(2*NIR +1) – (NIR – RED)) / 2
O NDRE (Índice de Vegetação por Diferença Normalizada na Borda do Vermelho) é índice que se mostra mais sensível ao conteúdo de clorofila do que o NDVI, sendo uma boa opção de uso nas fases finais do período reprodutivo da soja, quando o NDVI corre risco de saturação.
NDRE = (NIR – RED EDGE) / (NIR +RED EDGE)
Avaliação de defensivos agrícolas com o NDVI
A avaliação de defensivos agrícolas por meio do NDVI é uma forma bastante eficiente de usar esse índice.
Para você que é engenheiro agrônomo, florestal ou técnico agrícola e está com sua carteira profissional em dias, fazendo uso do receituário agronômico na prescrição dos defensivos, é de grande importância avaliar se os resultados da aplicação estão dentro do esperado.
Inclusive, você pode fazer testes com os defensivos, usando o NDVI.
Siga estes passos:
- obtenha imagens de sensoriamento remoto de uma data anterior à aplicação do defensivo e analise a vegetação;
- usando um celular, registre imagens do campo que chamaram a sua atenção, de preferência da mesma data da imagem do sensoriamento;
- verifique o tempo de ação do defensivo e faça a aplicação;
- faça novas fotos da área que foi aplicada com o celular;
- selecione novas imagens de sensoriamento remoto da área e compare com as de antes da aplicação;
- verifique possíveis anormalidades, sobretudo nas áreas que mais chamaram a atenção antes da aplicação.
Esse procedimento vai te auxiliar a saber onde a aplicação funcionou mais ou menos. Sempre que achar necessário — e na maioria das vezes é — faça visitas presenciais aos locais que mais chamam a atenção da lavoura para verificar o que está acontecendo.
Isso porque o NDVI não informa diretamente qual o problema da lavoura, se é doença, praga ou falta de água. Ele indica de forma assertiva se a planta está com saúde ou não.
O grande problema na prescrição dos defensivos é que a legislação destes produtos é extensa e não padronizada nos estados brasileiros. Além disso, as constantes alterações das bulas, pelo Ministério da Agricultura, dificultam o acompanhamento das atualizações.
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Como monitorar a soja com o NDVI?
O monitoramento da soja com o NDVI deve ser feito levando-se em consideração cada fase da fenologia da planta, que é dividida entre os períodos vegetativo e reprodutivo.
Veja este gráfico temporal elaborado pela Embrapa com variações do NDVI durante o ciclo da soja, a partir do nível orbital, aéreo, do dossel e foliar:
Variações do NDVI no ciclo da soja. (Reprodução: EMBRAPA)
Agora, vamos lembrar sobre a fenologia da soja e buscar relacionar essas informações com os dados do NDVI durante o ciclo da cultura.
Período vegetativo (V)
É quando ocorre o crescimento da planta e pela produção de folhas, iniciando com a germinação das sementes e terminando com o florescimento.
Veja esta sequência:
- Emergência (VE): os cotilédones estão acima da superfície do solo, sinalizando o início do crescimento da planta;
- Cotilédone desenvolvido (VC): eles estão abertos, o que indica crescimento inicial normal;
- Primeiro nó (V1): nesse estádio, as folhas unifoliadas estão totalmente abertas;
- Segundo nó (V2): é quando a primeira folha trifoliada está aberta, fase importante do desenvolvimento foliar;
- Terceiro nó (V3): sai a segunda folha trifoliada aberta;
- Enésimo nó (V(n)): um enésimo nó ao longo da haste principal é observado, onde a uma folha trifoliada está aberta, sendo que o número “n” varia de acordo com o desenvolvimento da planta.
Período reprodutivo (R)
No período reprodutivo da soja ocorre a formação das flores, vagens e grãos, tendo início com o florescimento e terminando com a maturação dos grãos.
Ele é dividido em:
- R1: o florescimento é iniciado com a abertura de uma flor em qualquer nó da haste principal;
- R2: é o momento da inflorescência da haste principal, com todas as flores abertas;
- R3: começa a frutificação, com vagens de 0,5 a 1,5 cm de comprimento no terço superior da haste principal;
- R4: a maioria das vagens do terço superior da haste principal já se desenvolveu, tendo de 2 a 4 cm de comprimento. É quando ocorre a frutificação plena e a formação dos “canivetes”;
- R5.1: vemos o início da granação (ou enchimento), com até 10% de granação máxima na maioria das vagens do terço superior da haste principal;
- R5.2: granação inicial, com a maioria das vagens do terço superior com 10 a 25% de granação máxima;
- R5.3: granação média com 25 a 50% de granação máxima;
- R5.4: granação avançada, estando a maioria das vagens com 50 a 75% da granação máxima;
- R5.5: fase final da granação, com a maioria das vagens no terço superior com 75 a 100% de granação máxima;
- R6: a semente já está formada, com 100% de granação e a maioria das vagens no terço superior com sementes verdes (vagem gorda);
- R7.1: maturidade fisiológica, até 50% de folhas e vagens amarelas;
- R7.2: entre 50 a 75% das folhas e vagens amarelas;
- R7.3: acima de 75% das folhas e vagens amarelas;
- R8.1: ocorre a desfolha natural (50% de desfolha);
- R8.2: mais de 50% de desfolha natural, quase em ponto de colheita;
- R9: maturidade da soja com 95% das vagens com a cor madura.
Para melhor compreensão de como associar o NDVI com cada fase da fenologia da soja, veja o gráfico abaixo:
Valores de NDVI de no desenvolvimento da soja (Reprodução: Bariani et al., 2015)
Como visto no gráfico, os valores de NDVI da soja caem quando se aproxima o ponto de colheita. Usando esses métodos de monitoramento da soja ano após ano na sua lavoura, a tendência é você se aperfeiçoar cada vez e obter ganho de eficiência, por exemplo, no planejamento da colheita e na observação sobre áreas com melhor desenvolvimento.
Como obter imagens NDVI?
As imagens de NDVI podem ser obtidas por meio sensoriamento remoto orbital (imagens de satélites), aéreo (drones, VANTs) ou terrestre (sensores manuais ou acoplados em maquinários).
Para um monitoramento mais constante, você deve escolher por sensores que ofereçam uma alta resolução espacial e temporal, como é o caso do MSI/Sentinel-2, informado acima e que é de uso gratuito.
As bandas espectrais deste sensor possuem resolução espacial de 10, 20 e 60 metros, conforme você em detalhes no quadro abaixo:
Nº da banda | Banda espectral | Comprimento da onda (nm) | Resolução espacial (m) |
B01 | Costal aerosol | 443 | 60 |
B02 | Blue | 490 | 10 |
B03 | Green | 560 | 10 |
B04 | Red | 665 | 10 |
B05 | Red Edge 1 | 705 | 20 |
B06 | Red Edge 2 | 740 | 20 |
B07 | Red Edge 3 | 783 | 20 |
B08 | NIR | 842 | 10 |
B8A | NIR narrow | 865 | 20 |
B09 | Water vapor | 945 | 60 |
B10 | Cirrus | 1380 | 60 |
B11 | SWIR 1 | 1910 | 60 |
B12 | SWIR 2 | 2190 | 20 |
Outros sensores orbitais mais avançados são os da constelação PlanetScope, da empresa Planet Labs, que oferece imagens de satélite diárias, com resolução espacial de 3 metros. No entanto, elas possuem um custo de assinatura.
Para séries temporais mais longas, você consegue imagens de satélite gratuitas, de alta resolução, também da Planet, por meio do programa NICFI. Aprenda aqui como baixar essas imagens.
Conclusão
Usando o NDVI no monitoramento da soja você ganhará muito mais eficiência na gestão da sua lavoura e obterá ganhos de produtividade a cada safra.
Isso porque à medida que você começa a aplicar este índice você aprende cada vez mais sobre como ele se comporta em relação à sua área de produção.
Não deixe de usar também outros índices complementares, como o MSAVI2 e o NDRE. Eles podem trazer informações mais valiosas que o NDVI em determinados momentos.
Lembre-se, ainda, de usar o NDVI para verificar a eficácia dos defensivos agrícolas, e usar a plataforma da Agroreceita para prescrever estes produtos de acordo com as exigências legais vigentes.
Sobre o Autor
Mário Bittencourt
Jornalista e pós-graduado em Agricultura de Precisão.
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