Abelhas e agrotóxicos: veja quais são as boas práticas agrícolas

Sumário
Abelhas e agrotóxicos não combinam. Por isso, é necessário seguir as boas práticas agrícolas para preservar esses insetos. Veja dicas neste artigo
A morte de abelhas supostamente associada à intoxicação por agrotóxicos é motivo de preocupação em todo o mundo, especialmente no Brasil, maior consumidor global destes insumos.
Casos de CCD (Colony Collapse Disorder ou Síndrome do Colapso das Colônias) causados por uso indiscriminado de defensivos agrícolas são estudados no país, mas sem conclusões definitivas, conforme fontes oficiais e científicas.
Esses insetos são de grande importância para o ecossistema e a produção de alimentos: 75% dos cultivos agrícolas dependem das abelhas, segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura).
As abelhas devem ser preservadas e, para isso, é necessário seguir as boas práticas agrícolas, sobretudo com o uso de agrotóxicos. Saiba neste artigo o que fazer. Boa leitura!
Qual a relação do uso de agrotóxicos com as abelhas?
A relação do uso de agrotóxicos com as abelhas diz respeito aos casos de mortalidade em massa e efeitos colaterais, como infertilidade e prejuízo às funções cognitivas das abelhas à curto, médio e longo prazo, dentre outros.
Estima-se que haja no Brasil mais de 1.500 espécies de abelhas nativas, sendo cerca de 300 abelhas sem ferrão, de acordo com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).
No país, os estudos relacionados às intoxicações por agrotóxicos se concentram nas colônias da Apis mellifera L. africanizada (abelhas com ferrão), amplamente utilizadas para produção de mel no país e em boa parte responsável pela polinização das culturas agrícolas e vegetação nativa.
Segundo o Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária), os sintomas mais observados de intoxicação em abelhas por agrotóxicos são tremores e voos desorientados.
Outros comportamentos anormais podem indicar que a colônia está sob intoxicação, como:
- grande quantidade de insetos mortos próximos da colmeia/colônia;
- desenvolvimento tardio de indivíduos;
- má formação de larvas;
- autolimpeza excessiva;
- variação de temperatura na colônia;
- diminuição da atividade de forrageamento;
- incapacidade de retorno para a colmeia;
- e a paralisia.
Há uma diversidade de agrotóxicos no Brasil voltados para o combate às doenças e pragas agrícolas (herbicidas, inseticidas, fungicidas, etc.). Somente em 2024, foram registrados 663 novos produtos pelo Mapa, aumento de 19,45% em relação a 2023.
Os mais investigados pela ciência são os inseticidas fipronil (pirazol) e os neonicotinoides. Estudos relatam que a maioria dos casos de mortalidade em massa de abelhas decorre do uso incorreto de fipronil, associado a outros produtos.
Os neonicotinoides, especificamente, são associados, parcialmente, à perda de populações de abelhas em diversas partes do mundo, tendo este fenômeno sido chamado de CCD (Síndrome do Colapso das Colônias, na sigla em inglês).
Abelhas e agrotóxicos: existe CCD no Brasil?
Há somente dois casos registrados com características semelhantes às descritas para CCD no Brasil, mas sem causas definidas, segundo um artigo da Embrapa que investigou o enfraquecimento e perda de colônias de abelhas no Brasil relacionado à CCD.
A CCD foi primeiramente constatada em colônias de A. mellifera e é caracterizada pelo desaparecimento repentino de abelhas operárias forrageiras, enquanto a rainha e as crias permanecem vivas nas colônias.
No Brasil, segundo a Embrapa, “verifica-se que os resultados obtidos até o momento são controversos, e muitos estudos ainda são necessários, principalmente em relação às diferenças entre as diversas culturas sobre as quais os produtos são aplicados, às formas de aplicação, as rotas de exposição e a biologia das abelhas existentes nos agroecossistemas onde esses produtos são usados”.
Uma publicação do Mapa destaca que “as hipóteses das causas do CCD passaram a ser consideradas multifatoriais, ou seja, a perda de habitats, o uso de agrotóxicos, e ocorrência de doenças, por exemplo, deixariam as abelhas mais vulneráveis”.
Agrotóxicos mais perigosos para as abelhas
Os agrotóxicos mais perigosos para as abelhas são os organofosforados, neonicotinoides e o fipronil, que fazem parte dos inseticidas de ação neurotóxica.
Organofosforados
Os inseticidas organofosforados são considerados altamente tóxicos ao meio ambiente e a qualquer inseto, incluindo àqueles não alvo, a exemplo das abelhas.
Por isso, a maior parte dos produtos organofosforados já teve seu registro cancelado no Brasil e em outros países, em função de sua toxicidade aguda e baixa seletividade.
Mas representantes de organofosforados, como os clorpirifós, de ação inseticida-acaricida, são amplamente utilizados, principalmente devido a sua maior persistência e eficácia contra uma ampla gama de pragas que atacam culturas economicamente importantes, como algodão, café, citros, maçã, milho e soja.
De acordo com a Embrapa, é provável que esse inseticida esteja em contato com as abelhas em diferentes níveis de exposição, uma vez que resíduos de clorpirifós foram detectados no pólen, no mel e em favos de cria de A. mellifera, porém pesquisadores não observaram letalidade.
Os organofosforados atuam no sistema nervoso dos insetos, inibindo a enzima acetilcolinesterase (AChE), que regula o nível do neurotransmissor acetilcolina, uma substância que atua no mecanismo de transmissão de impulsos nervosos.
Neonicotinoides
Derivados da nicotina, os neonicotinoides apresentam menor toxicidade e impacto ambiental e estão registrados para uso em uma ampla variedade de culturas, sendo eficazes, contra insetos mastigadores e sugadores, como besouros, alguns lepidópteros e hemípteros.
Esse grupo engloba os produtos imidacloprido, acetamiprido e tiametoxam. Através da sua
ação neurotóxica, os neonicotinoides atuam no sistema neurológico de insetos, incluindo aqueles não alvos, tais como abelhas.
Os neonicotinoides possuem ação agonística nos receptores nicotínicos e mimetiza a acetilcolina em seus sítios de encaixe, causando efeitos subletais como perda de memória e orientação das abelhas.
Segundo pesquisadores, esses efeitos a longo prazo podem ocasionar a morte dos indivíduos ou tornar a colônia mais suscetível a doenças.
Estudos sugerem que os neonicotinoides podem ocasionar sérios efeitos adversos para abelhas, e que o declínio de populações possui relação direta com seu uso indiscriminado, por vias de aplicação no solo, sementes, folha e tronco das plantas.
Os neonicotinoides podem ser aplicados via pulverização foliar, tratamento de sementes, ou aplicação no solo, de culturas como algodão, citros, alface, arroz, batata, tomate, eucalipto, girassol, maçã, morango e ainda em outros cultivos que ofertam flores atrativas para as abelhas.
Conforme estudos científicos, os neonicotinoides se ligam aos receptores nicotínicos de acetilcolina (nAChRs) e não são degradados imediatamente, ou seja: os impulsos nervosos são transmitidos de forma contínua. O resultado é a hiperexcitação do sistema nervoso do inseto, acarretando desorientação e morte.
Por ser tratar de um inseticida sistêmico, o ingrediente ativo pode ser deslocado pela seiva da planta de uma parte para a outra, atingindo o pólen e néctar onde traços residuais são encontrados. Então, é nesse instante em que o contato com as abelhas pode ocorrer, além das possibilidades de aplicação sobre as abelhas forrageiras no campo, via deriva e inversão térmica.
Fipronil
O inseticida fipronil faz parte do grupo químico fenilpirazol de segunda geração e possui amplo espectro, sendo capaz de atuar em todas as fases de desenvolvimento do inseto com grande eficácia até mesmo em baixas concentrações.
No Brasil, o fipronil possui autorização de uso e comercialização em diversas formulações, tais como:
- isca granulada (formicida em aplicação terrestre);
- suspensão concentrada (tratamento de sementes);
- granulado aplicado diretamente no solo;
- granulado dispersível e suspensão concentrada (aplicação terrestre e aérea).
Ele é usado para o controle de pragas nas culturas de algodão, arroz, batata, cana de açúcar, milho, soja, cevada, feijão, trigo, pastagens e eucalipto.
Nas abelhas, este princípio ativo age no bloqueio pré e pós-sináptico do sistema nervoso, causando hiper-exitação dos músculos e nervos levando o inseto à morte, sendo considerado um dos principais causadores de mortalidade em massa de abelhas.

Abelhas mortas após uso inadequado de agrotóxicos (Fonte: Rolling Stone)
Como proteger as abelhas dos agrotóxicos?
A melhor forma de proteger as abelhas contra os agrotóxicos é por meio de práticas sustentáveis, sendo as principais:
- a não derrubada de árvores nativas;
- o plantio de corredores de flora apícola, sobretudo de espécies de abelhas nativas sem ferrão;
- a rotação de culturas;
- a ampliação da biodiversidade;
- e o uso de defensivos agrícolas biológicos;
Além disso, é preciso ter cuidado com plantas e produtos à base de plantas que são tóxicas para as abelhas e outros insetos, sendo as principais a:
- Espatódea (Sphatodea campanulata, Bignoniaceae): também conhecida como bisnagueira ou tulipa-africana, é uma planta conhecida como grande vilã para apicultores e meliponicultores. A ciência relata diversos casos de a cerca dos prejuízos causados às abelhas por essas plantas;
- Barbatimão (Stryphnodendron spp., Fabaceae): existe o falso e o verdadeiro, que possui duas espécies que disponibilizam pólen tóxico para as abelhas (S. adstringens e S. polyphyllum), sendo capazes de matar as adultas, devido ao flavonoide astilbina;
- Neem (Azadirachta indica): seu uso como inseticida natural vem crescendo no Brasil e sua ação tóxica pode provocar inibição da alimentação e redução da fecundidade dos insetos. No caso das abelhas, a interação molecular entre o princípio ativo e o alvo resulta em impacto macroscópico que pode ser observado em células, tecidos, órgãos, indivíduos ou em níveis populacionais como na colônia de abelhas.
Abelhas: boas práticas agrícolas no uso de agrotóxicos
É preciso muito cuidado com o uso de agrotóxicos para que as abelhas não sejam prejudicadas, conforme orienta a ABELHA (Associação Brasileira de Estudos das Abelhas), que reúne entidades como a CropLife Brasil, com importante apoio da Syngenta, por meio do projeto GeoApis.
A ABELHAS sugere o desenvolvimento das boas práticas agrícolas tanto para agricultores quanto para apicultores.
Para agricultores
- Fazer o uso correto dos defensivos agrícolas, seguindo as especificações da bula dos agroquímicos. É de grande importância, neste sentido, você obter a bula atualizada desses produtos.
- Manter contato regular e antecipado com apicultores para avisar sobre datas próximas de aplicações, para que assim eles tenham tempo de levar as colônias de abelhas para locais seguros;
- Não aplicar inseticidas de alta toxicidade durante o florescimento das culturas. Em caso de extrema necessidade, escolher um produto efetivo, mas de baixa toxicidade para os insetos;
- Buscar o máximo de eficiência na aplicação via aérea, com aviões ou drones, sem mudanças de direção e observação antecipada da velocidade e direção dos ventos;
- É recomendável não aplicar defensivos agrícolas com ingrediente ativo que se degrada poucas horas nos horários em que as abelhas estão em atividade no campo durante o dia. Prefira ao entardecer ou anoitecer.
Para apicultores
- Respeitar as distâncias seguras de áreas agrícolas que serão tratadas com defensivos, tomando por referência o raio de voo da espécie de abelha que se pretende criar. No caso de Apis mellifera, por exemplo, é recomendada distância de pelo menos 6 quilômetros do plantio.
- Comunicar ao agricultor sobre a presença de colônias próximas ao local de áreas agrícolas para que assim eles avisem quando da aplicação de defensivos.
Um bom diálogo é a chave para resolver muitos problemas. Caso aconteça algo grave, é de grande importância fazer o registro de mortandades de abelhas.
Isso é possível por meio do Observatório de Abelhas, que apoia a sistematização de informações sobre mortandades de abelhas com a construção de um banco de dados nacional a partir do uso do Sistema AgroTag composto por aplicativo e WebGis.
O aplicativo Agrotag Abelhas é uma ferramenta destinada aos técnicos agropecuários dos estados para facilitar o registro de dados no atendimento de casos com mortandades de abelhas. A partir de um tablet ou celular as ocorrências são identificadas e fotografadas em campo com registro geoespacial.
Em áreas sem disponibilidade de rede de internet os dados ficam armazenados no dispositivo e são enviados para o banco de dados do Agrotag Abelhas quando acessada a internet, ficando disponíveis aos usuários através da interface WebGis.
Como a AgroReceita pode ajudar a proteger as Abelhas?
A AgroReceita disponibiliza um banco de dados das bulas dos defensivos agrícolas (químicos e biológicos) registrados no Brasil, em constante atualização, conforme alterações do Mapa.
Esses produtos passam por rigorosos processos de avaliação antes do registro, garantindo sua segurança para os polinizadores e para o meio ambiente, desde que sejam aplicados conforme as orientações dos rótulos, bulas e Receituário Agronômico. O uso incorreto, por outro lado, pode representar riscos não só para as abelhas, mas também para a biodiversidade e a segurança humana.
Dessa forma, a atualização das bulas é essencial para garantir que as recomendações de uso estejam alinhadas com as normativas vigentes e as melhores práticas de aplicação. Informações como doses, culturas permitidas, períodos de carência e restrições ambientais são frequentemente revisadas pelos órgãos reguladores, e o uso de uma bula desatualizada pode resultar em aplicações inadequadas, reduzindo a eficácia dos defensivos e aumentando riscos tanto para o produtor quanto para o meio ambiente.
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Conclusão
O uso de agrotóxicos possui grande contribuição para a produção de alimentos no Brasil, e seu manejo ao longo dos anos vem sendo aperfeiçoado para serem feitas aplicações com o menor impacto possível no meio ambiente.
O cuidado com as abelhas é um dos mais importantes relacionados à aplicação desses produtos. Seguir as boas práticas agrícolas é essencial para evitar problemas.
Estabelecer uma comunicação amigável e consciente com apicultores é essencial para os agricultores (e vice e versa), já que é possível atuar de forma organizada, sem que nenhum dos lados fique prejudicado.
De grande importância também é, na aplicação das boas práticas agrícolas, seguir as bulas dos defensivos quanto aos cuidados necessários para a aplicação. Para isso, conte com o sistema da AgroReceita, onde você encontra as bulas atualizadas de todos os produtos.
Sobre o Autor

Mário Bittencourt
Jornalista e pós-graduado em Agricultura de Precisão.