Refúgio agrícola: a boa prática que vale a pena

Plantação: refúgio agrícola

A importância da prática agrícola que auxilia o produtor no longo prazo e gera maior segurança à agricultura brasileira

O refúgio agrícola é uma prática que divide opiniões, apesar da sua demonstrada importância e eficácia. Mais do que dividir opiniões, muitos produtores decidem por não o adotar, pensando na produção a curto prazo e se esquecendo dos benefícios a longo prazo.

Se você tivesse uma atividade comercial, por exemplo, um restaurante, e alguém dissesse que você deveria deixar uma área do restaurante com mesas, mas que ninguém poderia se sentar para almoçar, limitando a sua freguesia, como você se sentiria?

Provavelmente você não aceitaria a opinião da pessoa e encheria o salão de mesas, visando a maior capacidade de pessoas e maior lucro. Assim também é a cabeça do produtor rural, mas cabe aos técnicos de campo mostrar a ele que na agricultura, nem sempre a melhor maneira de conseguir lucro é explorando o máximo que se pode dos recursos.

Nesse artigo falaremos sobre a prática do refúgio agrícola, sua importância, a lei que determina suas regras e os riscos de não se adotar essa prática de reconhecida eficácia.

O que é o refúgio agrícola?

A técnica do refúgio consiste no plantio de plantas não-transgênicas em área adjacente a uma lavoura com plantas transgênicas. As plantas não transgênicas devem ter o mesmo ciclo e porte das plantas transgênicas.

Na prática, isso quer dizer que o produtor terá que semear uma área com plantas que terão menor resistência ao patógeno alvo, maior probabilidade de ataque e redução na produção. A área de refúgio recomendada é de cerca de 20% da área total em algodão, cana e soja e de 10% em milho.

Por esse motivo, é muito difícil conscientizar o produtor da necessidade do plantio do refúgio, uma vez que o sentimento é de que isso acarretará diminuição do potencial de produção devido à suscetibilidade de um percentual. É como deixar um “almoço grátis” para as pragas, sendo pago pelo produtor.

Mas então como convencer o produtor da importância do uso de refúgio? Falaremos desse tema após introduzirmos a tecnologia que causou a necessidade da prática do refúgio.

A tecnologia Bt

A tecnologia Bt teve suas primeiras descobertas no início do século passado no Japão. O efeito inseticida do Bacillus thuringiensis foi descoberto e seu modo de ação através de proteínas específicas, as cry-toxinas, foi revelado. Dessa forma o Bt tornou-se uma opção de inseticida natural e chegou ao mercado, sendo posteriormente incluído geneticamente em culturas agrícolas.

O lançamento dos primeiros transgênicos Bt, que incluiu no genoma de plantas de interesse comercial genes provenientes do microrganismo, foi o evento que mais tarde motivou a necessidade da implantação da técnica de refúgio.

No Brasil, a introdução dessa tecnologia vem acontecendo desde 2005, com a entrada do algodão Bt e depois no milho (2007), soja (2010), cana (2017) e eucalipto (2023).

A resistência de pragas na agricultura

O efeito fungicida do Bt foi um grande avanço na agricultura mundial e ainda hoje tem potencializado enormemente a redução da aplicação de inseticidas químicos em muitas lavouras comerciais.

Porém, da mesma maneira que depois de um tempo de uso os produtos químicos começam a ter uma redução na sua eficácia de controle, isso também pode acontecer com a tecnologia Bt

O fato da maioria das pragas apresentarem ciclos de vida curtos faz com que elas evoluam, rapidamente, mecanismos de adaptação e resistência ao efeito fungicida do Bt. Porém, é importante notar que essa resistência só é transmitida à geração seguinte quando do cruzamento de dois indivíduos com resistência já adquirida.

Transmissão genética do caráter de resistência a inseticida

Transmissão genética do caráter de resistência a inseticida (Fonte: Crop Life)

Por essa razão, é de interesse que seja mantida uma população natural de pragas não-resistentes ao Bt, para que essas possam se reproduzir entre elas ou com indivíduos resistentes, dificultando a evolução da resistência nas gerações posteriores.

A prática do refúgio é umas das formas da manutenção natural da população não-resistente e por isso é muito importante.

Quais os benefícios do refúgio agrícola?

O principal benefício da área de refúgio está relacionado às populações de insetos e da tecnologia de transgenia com papel inseticida. Dessa forma, as principais metas e vantagens do uso do refúgio são:

  • Atuar como fonte de insetos suscetíveis ao efeito inseticida do Bt;
  • Manter a frequência de insetos resistentes ao Bt baixa dentro da população natural;
  • Diminuir a taxa e o tempo para aquisição de resistência ao evento Bt inserido na planta transgênica;
  • Gerar uma tendência de cruzamentos entre insetos resistentes e suscetíveis, mantendo a eficiência do efeito inseticida do Bt;
  • Preservar a tecnologia Bt e diminuir a necessidade da aplicação de inseticidas químicos;
  • Aumentar a sustentabilidade ambiental e a margem de lucro dos produtores.
Como manejar a área de refúgio contra pragas?

Como a área de refúgio tem o objetivo principal de gerar lagartas susceptíveis ao inseticida Bt, não se deve efetuar um manejo de insetos muito agressivo nessas áreas. Deve-se fazer o manejo nutricional, de irrigação e o uso de inseticidas, fungicidas e herbicidas de maneira convencional, porém com algumas ressalvas.

Abaixo citamos algumas práticas recomendadas para o manejo de áreas de refúgio:

  • Não utilizar inseticidas de aplicação foliar à base de tecnologia Bt;
  • Não fazer múltiplas entradas de inseticidas para não diminuir a população de insetos susceptíveis por outros métodos;
  • Utilizar o manejo integrado de pragas;
  • Fazer rotação de culturas, diminuindo inóculos iniciais de insetos;
  • Controle efetivo de plantas daninhas, que podem ser utilizadas para propagação de insetos com resistência adquirida;
  • Monitoramento constante de pragas na área.

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Quais as regras para o refúgio?

As recomendações para área de refúgio no Brasil são descritas em uma instrução normativa (IN-59/2018) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Apesar dessa normativa, a maioria das informações necessárias para a definição das áreas de refúgio são de responsabilidade da empresa detentora da tecnologia transgênica.

Normalmente, as características do refúgio são definidas de acordo com a cultura de interesse e a proteína utilizada no evento de transgenia. As principais regras para o refúgio são relacionadas a:

  • Percentual da área destinada a refúgio;
  • Distância máxima entre o refúgio e a área de cultura transgênica;
  • Localização da área de refúgio como bordadura, bloco ou faixa;
  • Especificações do refúgio para áreas em sistemas irrigados e de sequeiro;
  • Características de ciclo e porte das plantas usadas no refúgio;

Recomendações de manejo de lavouras transgênicas e de áreas de refúgio.

Conclusão

O produtor rural normalmente é bastante avesso a mudanças na sua maneira de condução da atividade agrícola. É comum que ele se guie muitas vezes pela intuição e o conhecimento empírico, ou simplesmente pelas práticas adotadas pelos demais produtores da região.

A adoção do refúgio é uma das técnicas mais difíceis de serem inseridas no manejo de propriedades agrícolas, principalmente devido à impressão de se estar perdendo rendimento e produtividade, diminuindo o lucro.

Cabe ao técnico de campo mostrar ao produtor a importância da adoção do refúgio e convencê-lo de que, ao longo prazo, essa técnica é muito mais sustentável, vantajosa economicamente e agronomicamente.

Uma das técnicas para esse processo de convencimento é mostrar ao produtor qual é a magnitude financeira da economia com produtos inseticidas nas lavouras ao longo dos anos, passados e seguintes, fruto do sucesso da tecnologia de transgenia.

Dessa forma, fica mais fácil de argumentar que uma área de refúgio bem manejada pode ser bastante lucrativa e que, em caso de uma possível perda de produtividade, ela é muito menos representativa do que o impacto da resistência de insetos ao inseticida natural.

Sobre o Autor

João Paulo Pennacchi

João Paulo Pennacchi

Engenheiro Agrônomo pela Universidade Federal de Lavras e Doutor em Fisiologia de Plantas pela Lancaster University.

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