Enfezamento do milho: tudo o que você precisa saber
Sumário
As principais características, meios de transmissão e práticas de controle e mitigação do complexo que tem causado extensos danos agrícolas e econômicos à cultura do milho.
Os estresses bióticos são causadores de grandes perdas de produtividade na agricultura em geral. Eles são exemplificados por pragas e doenças que interagem com as culturas de interesse e causam danos ao seu crescimento e desenvolvimento.
Hoje, no Brasil, o complexo do enfezamento é um dos maiores causadores de perdas na cultura do milho, gerando incerteza aos produtores e impactando nas decisões de plantio e destinação de áreas a essa cultura de tão grande importância nacional e mundial.
Os enfezamentos causam danos fisiológicos às plantas e influenciam negativamente seu crescimento e desenvolvimento. As perdas variam de acordo com a infestação, mas podem ser da ordem de 70% de produtividade, podendo, porém, chegar à perda total da lavoura. Essa é uma das razões do impacto econômico devastador da doença, quando presente na região.
Neste artigo informaremos sobre as características do complexo do enfezamento, sua identificação e medidas de controle e mitigação que estão em uso e apresentam potencial para diminuição do impacto da doença.
Por que se chama de complexo do enfezamento?
O enfezamento não é uma doença única, mas inclui 3 tipos de doenças, com diferentes causadores. Todas essas doenças são transmitidas pela cigarrinha e podem se apresentar sozinhas ou na forma de complexo nas plantas de milho. São elas:
- Enfezamento pálido: em inglês corn stunt spiroplasma (CSS), causado por uma bactéria do tipo molicute, da classe dos espiroplasmas (Spiroplasma kunkelii);
- Enfezamento vermelho: em inglês maize bushy stunt phytoplasma (MBSP), causado por uma bactéria do tipo molicute, da classe dos fitoplasmas;
- Raiado fino: em inglês maize rayado fino marafivirus (MRFV), causado por vírus.
A ocorrência dos enfezamentos pálido e vermelho se distribuem diferentemente pelo território brasileiro, e podem variar entre safras, como mostrado adiante nas diferentes entre 2021 e 2022.
Incidência do enfezamento pálido e vermelho em 2021 e 2022 (Fonte: MAPA)
Transmissão do enfezamento
Os enfezamentos são transmitidos através da interação de cigarrinha (Dalbulus maidis) com plantas de milho. As cigarrinhas se contaminam ao se alimentarem de plantas com inóculos dos patógenos (molicutes/vírus) e transmitem a doença ao se alimentarem de outras plantas sem a doença, injetando os patógenos através de seu aparelho sugador.
As cigarrinhas normalmente podem se deslocar entre plantas em uma distância de 30 metros, porém, em correntes de vento, podem atingir distâncias muito maiores. Apesar de se reproduzirem nas plantas de milho, as cigarrinhas podem se alimentar e abrigar em outras espécies como brachiárias, milheto, sorgo e trigo.
Com relação ao ciclo de transmissão, as cigarrinhas necessitam inicialmente de cerca de 120 minutos de alimentação na planta infectada para adquirir os molicutes e se tornar contaminada. Após isso, são necessárias de 3 a 4 semanas de período latente para que as cigarrinhas se tornem potencialmente transmissoras. Após isso, são necessários de 30 a 60 minutos de alimentação na planta sadia para transmitir a doença.
As cigarrinhas são normalmente encontradas no cartucho formado pelas folhas em desenvolvimento, tendo preferência por plantas em estágios iniciais (antes de V6), porém, também sendo encontradas em plantas mais velhas. Já os sintomas são observados em estágios mais tardios e depende do agente causador.
Como identificar o enfezamento do milho?
A presença de cigarrinhas na área pode ser um indicativo e um sinal de alerta para a presença do enfezamento. Porém, mesmo que as cigarrinhas estejam presentes na lavoura nos estágios iniciais, os sintomas somente se apresentam mais tardiamente, principalmente durante o estágio reprodutivo.
O modo de ação dos molicutes na planta de milho estão relacionados à infestação dos vasos do floema, causando entupimento deles e gerando distúrbios hormonais, fisiológicos e bioquímicos, que são observáveis em sintomas foliares e desordens de crescimento e desenvolvimento.
Os principais sintomas observados são:
- Ataque de cigarrinha (A): o dano direto da cigarrinha pode ser observado pela secreção do honeydew no limbo foliar, atraindo fungos que se alimentam dele e causam o acúmulo de uma substância preta na superfície da folha (fumagina);
- Enfezamento vermelho (B): avermelhamento das folhas a partir da borda para o centro, com posterior seca de folhas;
- Enfezamento pálido (C): manchas cloróticas em forma estriada, iniciando-se na base da folha e alongando-se no sentido do comprimento;
- Raiado fino (D): inicia-se com manchas cloróticas pequenas em folhas mais novas que evoluem para riscas de mais de 10 cm ao longo das nervuras.
Sintomas do complexo do enfezamento (Fonte: AproSojaMS)
Além dos sintomas foliares, observam-se outros sintomas característicos como: plantas de porte mais baixo, perfilhamento, multi-espigamento e o acamamento e tombamento de plantas, causado pela entrada de fungos no colmo, atraídos pelo acúmulo de sacarose nesse órgão.
Os sintomas foliares dos enfezamentos podem ser facilmente confundidos com outras doenças ou deficiências nutricionais. A maneira mais segura de se confirmar a doença é pela análise de PCR, identificando corretamente a presença do causador na planta, ou mesmo no inseto-vetor.
Como controlar o enfezamento do milho?
O controle do enfezamento ainda é muito difícil. Isso ocorre principalmente pelo fato de que os sintomas aparecem tardiamente, muito depois da contaminação. No momento do aparecimento de sintomas, já há poucos ou nenhum recurso para minimizar os impactos da doença, principalmente por serem doenças causadas por virus e molicutes.
Dessa maneira, a melhor estratégia é tentar controlar o ciclo da cigarrinha e não dos efeitos fisiológicos e bioquímicos na planta. Dessa forma, deve-se monitorar a presença da cigarrinha na lavoura desde os estágios iniciais da cultura.
O uso de inimigos naturais é uma opção de controle da cigarrinha, assim como o uso de armadilhas, em caso de infestações iniciais. Além disso, o tratamento de sementes com inseticidas sistêmicos e a aplicação de produtos químicos foliares para controle do vetor são as práticas mais comuns para controlar a cigarrinha.
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Como prevenir o enfezamento do milho?
Como as medidas de controle são complicadas e de pouca eficiência na cultura do milho, as práticas relacionadas à prevenção do enfezamento são as mais recomendadas. Abaixo seguem as mais comumente utilizadas:
- Uso de híbridos mais tolerantes: há diferença genética entre os híbridos para a tolerância à infestação e efeitos do enfezamento. A escolha por híbridos mais tolerantes é uma opção viável para diminuir perdas;
- Época de semeadura: respeitar o período de plantio da cultura e não implantar lavouras novas ao lado de lavouras mais antigas com sintomas de enfezamento são cruciais para quebrar o ciclo de vida da cigarrinha;
- Monitorar a presença do vetor: monitorar a presença da cigarrinha e utilizar de métodos de controle como inimigos naturais, uso de armadilhas, sementes tratadas com inseticidas sistêmicos e aplicação foliar de inseticidas;
- Controle do milho tiguera: controlar plantas de milho fora da época de plantio é importante para evitar que as cigarrinhas sobrevivam na entressafra. Um bom controle de colheita, armazenamento e transporte de espigas e grãos, além da limpeza de campos em época de pousio são técnicas recomendadas;
- Rotação de culturas: a rotação de culturas evita que a população de cigarrinha se mantenha alta e quebra seu ciclo de vida, uma vez que ela necessita da planta de milho para sobrevivência. Isso explica grandemente a opção de muitos produtores pelo plantio de milho apenas na safrinha, evitando o milho safra, em muitas regiões do Brasil;
- Nutrição e sanidade: plantas mais bem nutridas e sadias têm maiores chances de resistir ao impacto de doenças e pragas em geral, podendo diminuir os impactos do enfezamento.
Infográfico de técnicas de prevenção do enfezamento do milho (Fonte: AproSojaMS)
Considerações finais
Os ataques de cigarrinha e a transmissão do complexo do enfezamento do milho é uma condição que tem alterado o panorama da cultura no Brasil. Hoje é comum ver uma predominância do milho safrinha sobre o milho safra como estratégia para diminuir a incidência da doença.
Por ser um inseto de difícil controle, a cigarrinha requer uma série de estratégias para a diminuição de sua presença e dos riscos de transmissão do enfezamento. Isso se soma ao fato de que o tratamento paliativo dos sintomas do complexo do enfezamento ainda não é eficiente.
Frente a essas incertezas, é importante que o produtor e o assistente técnico estejam atentos aos sinais da presença da cigarrinha e atuem de maneira preventiva para evitar altas infestações, diminuindo os danos agronômicos e econômicos da doença na cultura do milho.
Sobre o Autor
João Paulo Pennacchi
Engenheiro Agrônomo pela Universidade Federal de Lavras e Doutor em Fisiologia de Plantas pela Lancaster University.
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