MIP: confira o alicerce e os pilares do Manejo Integrado de Pragas!

Sumário

Tudo o que você precisa saber sobre o Manejo Integrado de Pragas (MIP): um conceito que surgiu por volta de 1940, começou a ser difundido na década de 1960 e, com o avanço das biotecnologias no setor agrícola, segue sendo o caminho para a otimização do controle de pragas agrícolas na atualidade.

Segundo Kogan, o Manejo Integrado de Pragas (MIP) consiste na adoção de métodos de controle de pragas agrícolas, de forma isolada ou em associação, baseada em análises econômicas e que levam em conta o impacto sobre o meio social e o agroecossistema.

A crescente demanda da sociedade por alimentos mais saudáveis e oriundos de um sistema de produção mais sustentável, impulsionou o que chamamos de “uso racional” de defensivos agrícolas. Neste cenário, o MIP se tornou popular e tem se mostrado benéfico para o bolso do produtor e para o meio ambiente.

Aproveite a leitura deste artigo e conheça melhor os caminhos para a adoção do MIP em sua lavoura!

Como surgiu o Manejo Integrado de Pragas (MIP)?

O conceito de MIP, como conhecemos hoje, foi oficialmente instituído em 1972. Entretanto, as pesquisas acerca do tema surgiram muito antes: na década de 1940, o uso intensivo e indiscriminado de defensivos agrícolas que levou a desastres ecológicos diversos, motivou a busca por alternativas mais sustentáveis para o controle de pragas agrícolas. 

De 1940 a 1972, o conceito mudou de nome algumas vezes, até ser definitivamente ratificado, internacionalmente, como “Manejo Integrado de Pragas” pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

Ainda na década de 1970, o MIP começou a ser promovido como uma estratégia sustentável para a proteção de cultivos, tanto pela FAO, quanto pela Organização Internacional para o Controle Biológico (IOBC). Assim, o MIP foi instituído, pela comunidade científica, como o caminho para a otimização do controle de pragas agrícolas, sejam elas insetos, ácaros, doenças ou plantas daninhas.

A adoção do MIP requer planejamento: diferentemente do método convencional de controle de pragas agrícolas, o MIP não visa erradicar completamente as pragas da lavoura e, sim, manter as populações de organismos considerados pragas em equilíbrio no agroecossistema. Desde que não atinjam níveis economicamente prejudiciais ao produtor rural, as populações de pragas dispensam a necessidade de controle.

Ao ser colocado em prática, o MIP reduz não apenas a exposição de agricultores, consumidores e do meio ambiente a defensivos agrícolas tóxicos, mas também os problemas com resistência das pragas agrícolas a pesticidas. Desta forma, o impacto ambiental é minimizado e, os custos de produção, também.

Etapas até a construção do alicerce do MIP

Para entender melhor como funciona o MIP, podemos compará-lo à construção de uma casa: se faz necessário um alicerce bem estruturado para sustentar os pilares de controle do manejo de pragas. Para “construir” este alicerce, iniciamos com a “inspeção do terreno”, ou seja, é realizada a avaliação do agroecossistema. Em seguida, podemos ou não tomar a decisão de “iniciar a obra” e, enfim, escolher os materiais (métodos de controle a serem integrados).

Alicerce e pilares que sustentam o Manejo Integrado de Pragas.

Figura 1. Incompatibilidades no Teste da Jarra: Floculação (A), Decantação (B) e Formação de Espuma (C). Créditos: Fotos: Arquivo UENP/Nitec (2015).

1 - Avaliação do agroecossistema

Avaliar o agroecossistema nada mais é que inspecionar e conhecer o cultivo. É a primeira etapa, onde se identificam as principais pragas agrícolas que podem causar danos à lavoura. Além disso, é importante identificar quais pragas são mais prejudiciais em cada estádio de desenvolvimento das plantas. E, assim, ficar atento para a adoção de medidas preventivas de manejo.

Durante a avaliação, serão fornecidas bases para a tomada de decisão no momento ideal, visando reduzir o máximo possível de danos ao cultivo. O conhecimento sobre as pragas que geralmente ocorrem em determinadas culturas permite a identificação destas e, também, de seus inimigos naturais. A presença de inimigos naturais na lavoura é benéfica e sua preservação é importante, uma vez que estes são aliados poderosos no manejo populacional de pragas.

É importante, também, conhecer os hábitos e comportamentos das pragas, visando o determinar os horários e partes da planta para procurar por elas. Além disso, podem ser utilizadas biotecnologias que facilitam essa busca, como armadilhas de feromônios (sintéticos ou não) para monitorar a ocorrência de pragas.

Além disso, as condições climáticas também são um fator crucial na predição de infestações de pragas e devem ser sempre avaliadas. Por exemplo, temperaturas mais altas podem acarretar em ciclos de vida mais curtos para os insetos, resultando em mais gerações da praga durante o cultivo.

2 - Tomada de decisão

Após a avaliação do agroecossistema, por meio de amostragens e monitoramento, é feita a tomada de decisão. Um monitoramento bem feito, com vigilância constante da densidade populacional da praga e com um número adequado de amostragens embasará uma tomada de decisão mais certeira. 

O monitoramento nos dará informações quantitativas como:

  • Nível de Equilíbrio (NE): é a densidade populacional média da praga durante um período longo de tempo;
  • Nível de Controle (NC): densidade populacional limite da praga para prevenir que prejuízos econômicos ocorram;
  • Nível de Dano Econômico (NDE): é a densidade populacional da praga que acarreta em prejuízos econômicos à cultura e se iguala ao custo de adoção de métodos de controle;
  • Nível de Dano (ND): é a menor densidade populacional de uma praga capaz de ocasionar prejuízos econômicos ao agricultor.

O fator econômico mediará a decisão: em casos nos quais, após o monitoramento, seja constatado um nível populacional da praga igual ou superior ao NC, o controle deverá ser iniciado a fim de evitar que a população da praga atinja o NDE. Portanto, a partir do conhecimento do NDE e do NC para cada praga e cultura avaliadas, pode-se realizar a tomada de decisão e, se necessário, selecionar os métodos mais adequados para o manejo das pragas na lavoura.

Os pilares do manejo integrado de pragas

Os seis pilares do MIP são os métodos de controle que podem ser utilizados em uma lavoura:

  • Controle químico;
  • Controle biológico;
  • Controle comportamental;
  • Controle varietal;
  • Controle genético; e
  • Controle cultural.


É importante ressaltar que, embora o controle químico seja amplamente difundido e o método mais utilizado, este não deve ser visto como a primeira e única opção. A integração dos métodos de controle é o que faz do MIP um diferencial capaz de resultar na redução do uso de defensivos agrícolas e da minimização de impactos ambientais. Confira abaixo os pilares do Manejo Integrado de Pragas:

Controle químico

O controle químico consiste na aplicação de defensivos agrícolas durante a safra de cultivo. A adoção do controle químico deve ser feita de forma cautelosa e é essencial se atentar às dosagens, a fim de minimizar os riscos de seleção de pragas resistentes ao ingrediente ativo utilizado.

É recomendado consultar um(a) engenheiro(a) agrônomo(a) ou técnico agrícola para planejar o controle químico. Estes profissionais são legalmente habilitados para prescrever os defensivos químicos, orientando o uso e emitindo o receituário agronômico para a aquisição destes. É imprescindível que se faça uso de produtos devidamente registrados na plataforma Agrofit, pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). 

Para o posicionamento assertivo do controle químico, é fundamental que a emissão do receituário agronômico seja feita de forma correta e no momento correto, dentro de um programa de MIP. Aproveite para testar o AgroReceita gratuitamente por 14 dias! Preencha o formulário abaixo e descomplique já a prescrição dos defensivos agrícolas:

Controle biológico

O controle biológico de pragas agrícolas consiste na redução do nível populacional de pragas agrícolas por meio da ação de inimigos naturais, que podem ser parasitoides, predadores ou organismos entomopatogênicos (fungos, bactérias, vírus ou nematoides). Este método pode acontecer de forma natural, através de agentes de controle naturalmente presentes na área de cultivo, de forma clássica ou, ainda, de forma aplicada

O controle biológico clássico visa o controle de pragas exóticas. Portanto, pode ser necessária a importação de agentes de controle biológico de diferentes regiões. Já o controle biológico aplicado refere-se à liberação, de forma inundativa, de inimigos naturais a partir de criações massais destes organismos.

Liberação massal de Cotesia flavipes, parasitoide da broca-da-cana-de-açúcar, via drone.

Figura 2. Liberação massal de Cotesia flavipes, parasitoide da broca-da-cana-de-açúcar, via drone. Foto: Natutec.

Vale ressaltar que, a utilização de pesticidas seletivos a estes organismos benéficos é essencial para a conservação destes no agroecossistema. Portanto, a adoção do controle biológico é dependente de um bom posicionamento do controle químico dentro de um programa de Manejo Integrado de Pragas.

Controle comportamental

O controle comportamental de insetos consiste na utilização de compostos e/ou atributos que alteram a fisiologia e comportamento das pragas, principalmente, via uso de armadilhas capazes de atrair as pragas agrícolas, visando o controle populacional através da captura massal destas. As armadilhas contêm algo atrativo, que pode ser a cor, algum tipo de alimento ou feromônios (naturais ou sintéticos). 

Por exemplo, insetos como moscas-brancas, pulgões, cigarrinhas, mariposas e moscas-minadoras são geralmente atraídos pela cor amarela de armadilhas adesivas (impregnadas por cola entomológica). Já os tripes são atraídos pela cor azul. 

Insetos voadores de hábito noturno podem ser atraídos e capturados por armadilhas luminosas, geralmente entre 19h e 5h da manhã. Este tipo de armadilha pode ser tanto no monitoramento de algumas espécies de pragas, quanto no controle populacional destas.

Controle varietal

O controle varietal consiste no uso de variedades de plantas resistentes ou tolerantes a pragas. É um método de controle amplamente utilizado e bastante compatível com os demais métodos de controle do MIP. As variedades resistentes podem deter de recursos genéticos para controlar pragas. 

Um exemplo bastante conhecido de controle varietal é o plantio de variedades transgênicas de milho, soja, algodão e cana-de-açúcar contendo a tecnologia Bt.

Controle genético

Embora ainda não seja muito difundido na agricultura, o controle genético é um método que pode ser implementado no MIP. Consiste na manipulação do genoma de insetos, visando modificar o potencial reprodutivo de uma praga.

Um caso famoso da utilização deste método foi a esterilização de machos do mosquito da dengue, Aedes aegypti, através da Técnica do Inseto Estéril (TIE). Ao encontrar as fêmeas, os machos estéreis liberados eram incapazes de gerar prole, consequentemente, reduzindo a população de mosquitos.

Esta técnica já foi adotada para controle de moscas-das-frutas. Existem biofábricas voltadas para a criação massal de insetos estéreis em vários países. No Brasil, por exemplo, foi construída, em Juazeiro (BA) no ano de 2005, a biofábrica Moscamed, inicialmente com o intuito de controlar populações da mosca-do-mediterrâneo, Ceratitis capitata.

Controle cultural

O controle cultural consiste na utilização de práticas agrícolas que reduzam a incidência de pragas, além de promoverem um agroecossistema mais equilibrado. Alguns exemplos de práticas de controle cultural são:

  • Rotação de culturas: promove a quebra do ciclo de pragas e/ou doenças na lavoura, reduzindo as chances de desenvolvimento e reprodução destas, uma vez que a planta hospedeira não estará na área de cultivo na safra seguinte;
  • Revolvimento do solo: ao se revolver o solo, larvas e pupas de insetos podem ficar expostos à radiação solar e a temperaturas elevadas, reduzindo a população de pragas;
  • Destruição de restos culturais e plantas hospedeiras: várias espécies de pragas podem continuar se desenvolvendo em restos culturais e/ou plantas daninhas até migrarem para o cultivo seguinte;
  • Época de plantio adequada: uso de cultivares precoces ou tardias pode evitar o ataque de pragas;
  • Adubação na medida certa: plantas com uma nutrição equilibrada são menos suscetíveis ao ataque de insetos e doenças, por outro lado, nutrientes em excesso, como o Nitrogênio, por exemplo, são mais suscetíveis;
  • Irrigação: em alguns casos, a irrigação por aspersão pode ser útil no controle de pragas através do efeito mecânico de remoção de ovos e/ou larvas de insetos do dossel das plantas.

Nem todas as práticas culturais são eficientes para todas as pragas agrícolas. Cada caso deve ser avaliado, algumas espécies são polífagas e possuem alta capacidade de reprodução, podendo se adaptar às diferentes variáveis encontradas na lavoura. Contudo, juntamente com os outros pilares, tais práticas são parte essencial do MIP.

Vantagens e avanços do MIP no Brasil

O Manejo Integrado de Pragas é, atualmente, o melhor caminho para se manejar pragas em uma lavoura, prezando por um agroecossistema equilibrado e um manejo sustentável ao longo da safra de cultivo. 

Além dos ganhos ecológicos, os ganhos econômicos podem ser expressivos com a adoção do MIP, uma vez que pulverizações, antes previstas no calendário, muitas vezes não se farão necessárias ao se monitorar de perto as populações de pragas. 

Com o advento das biotecnologias e da agricultura digital, o monitoramento de pragas tem se tornado mais tecnológico e acessível. O avanço de pesquisas também favorece a adoção integrada de outros pilares do MIP. É o caso o controle biológico: o Brasil atualmente é líder mundial no uso de agentes de controle biológico na lavoura, exportando tecnologias da área para outros países.

É claro que ainda existem muitos desafios a serem superados. Apesar de ser um conceito antigo, o MIP ainda carece de profissionais que prestem assistência técnica qualificada e que entendam este sistema de manejo como um sistema que prioriza o equilíbrio de agroecossistemas, para além do simples controle de pragas. Além disso, entender que apenas dois pilares não sustentam uma construção complexa como o MIP: ir além da adoção dos controles químico e biológico e explorar mais métodos de controle de forma integrada.

Conclusão

O Manejo Integrado de Pragas assume um papel fundamental na sustentabilidade da agricultura. Além de controlar as pragas, preserva os inimigos naturais e a biodiversidade da área, reduzindo a utilização de defensivos agrícolas e os custos de produção.

Contudo, é uma abordagem interdisciplinar e em constante desenvolvimento. A otimização do MIP na agricultura requer um esforço conjunto de agricultores, profissionais da área, cientistas, governo e políticas públicas e sociedade em geral.

Referências

KOGAN, Marcos. Integrated pest management: historical perspectives and contemporary developments. Annual review of entomology, v. 43, n. 1, p. 243-270, 1998.

PETERSON, Robert KD; HIGLEY, Leon G.; PEDIGO, Larry P. Whatever happened to IPM?. American Entomologist, v. 64, n. 3, p. 146-150, 2018.

PICANÇO, Marcelo Coutinho; GONRING, A. H. R.; OLIVEIRA, IR de. Manejo integrado de pragas. Viçosa, MG: UFV, 2010.

Sobre o Autor

Gabryele Silva Ramos

Engenheira Agrônoma (UFV), Mestre em Proteção de Plantas (UNESP/Botucatu),  MBA em Marketing (USP/Esalq) e Doutoranda em Entomologia (Esalq/USP)

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